22 de dez. de 2009

21 de dez. de 2009

o português que eu conheci


Conheci um português diferente outro dia. Foi lá na PUC. Cheguei pensando que encontraria o português de sempre, conservador, carrancudo, autoritário, moralista. Senti até um pouco de medo quando entrei na sala de aula. Não tinha certeza se estava no lugar certo, se aquele português era pra mim. Mas, já que estava ali, não me restava alternativa a não ser descobrir.
Logo percebi que tudo não passava de pré-julgamento. Preconceito meu. Já na primeira aula, vi que o português que eu conheci ainda criança não era exatamente como eu achava que era. Ou como me fizeram pensar que era. Não deixaram que eu o enxergasse de verdade. Foi preciso me matricular num curso sequencial da Faculdade de Letras pra entender que o tal português não é, afinal, tão mau assim.
Foi o professor Gilberto Scarton quem me apresentou esse outro português. No início, eu nem podia acreditar em meus olhos e ouvidos. Não foi de imediato que consegui me despir de todos os preconceitos. Mas, aos poucos, compreendi. E vi que eu não precisava mais me sentir culpada por escrever certo de maneira intuitiva. Porque é isso o que eu faço, mas eu achava que era errado. Sempre exigente comigo mesma, não aceitava que pudesse escrever um bom texto mesmo sem saber suas regras.
Sim, eu sentia culpa por não lembrar nada de análise sintática. Por não saber dizer se um verbo estava no pretérito imperfeito do subjuntivo, por não poder explicar a regência nominal em uma frase. Do mesmo modo que não guardei na memória a fórmula de Báscara ou as leis de Newton, grande parte do meu aprendizado de gramática evaporou-se ao longo dos anos (e olhe que eu só tirava dez na escola). Mesmo assim, eu consigo escrever bons textos. Não me sinto capaz de resolver uma equação matemática, mas posso, sim, criar bons textos.
E o que isso quer dizer? Eis minha grande descoberta: ser um bom escritor independe do conhecimento das regras da gramática. Tudo aquilo que nos fazem decorar na escola tem pouquíssimo impacto na qualidade dos nossos textos. De nada adianta você conseguir dissecar uma frase sob todos os seus aspectos – morfológicos, sintáticos, semânticos e o diabo a quatro. Isso não significa que você seja capaz de produzir um bom texto. Talvez ele seja gramaticalmente correto, se analisado sob a ótica da gramática tradicional. Mas pode ser que você seja incapaz de concatenar uma frase à outra e um parágrafo ao outro com lógica e coesão. Porque, para isso, você precisa de bem mais do que ser fera em gramática.
Aprendi também que, para escrever bem, o importante mesmo é ler. Mario Quintana disse um dia: “Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo.” E não é? Chega a ser óbvio, mas quem se dá conta? Nós primeiro aprendemos a falar, muito antes de sermos alfabetizados. Não é preciso conhecer as letras e saber como se formam as palavras para se comunicar oralmente (depois é que vem a gramática e encaixota tudo). Da mesma maneira, é a leitura que nos dá a base para a produção de bons textos. Lendo, absorvemos conhecimentos de todo tipo, que vão além do conteúdo em si: vocabulário, ortografia, estilo, e até gramática. E o mais incrível é que, muitas vezes, esse aprendizado não é proposital, não é exatamente um estudo. Ler é prazer, é lazer, e também é aprender.
Por fim, a verdadeira mudança de paradigma: esse outro português é muito democrático. Ele me fez entender que a língua é viva, mutável e flexível, e que aquilo que pensamos ser o certo não é, necessariamente, o único certo que há. Devo confessar que, inconscientemente, eu era uma preconceituosa linguística. Agora, sei que a língua tem modalidades distintas, que são usadas nos diferentes ambientes e situações. Pense bem: não dá pra encontrar um amigo na rua e perguntar “como tu estás?”, ou então “traga-me um chope” para o garçom do boteco. Todos nós dizemos “como é que tu tá?” (bem típico dos porto-alegrenses) e “me vê aí um chope” ou coisa parecida. Não é errado - desde que esteja adequado ao contexto. O segredo, como disse o professor Scarton, é ser um poliglota no interior da própria língua.
Diante de tantas coisas novas, a sensação é de liberdade. Esse português que eu conheci me livrou de amarras que a escola e a sociedade me colocaram. Não preciso mais me sentir culpada por não lembrar das regras que um dia eu soube de cor. Se o texto é bom, quem se importa? Se for preciso, as gramáticas, os dicionários e os revisores estão aí para nos socorrer. Eu quero agora é conhecer cada vez mais esse português boa pinta e boa praça, aberto às evoluções da língua, atento ao linguajar das ruas, das favelas e dos condomínios. Muito prazer, português.

7 de dez. de 2009

um livro que me fez sonhar

O post sobre mulheres e futebol foi o centésimo do blog e eu custei a tomar coragem de escrever o centésimo primeiro. Porque sei lá, parecia que um ciclo tinha se encerrado, nem sei de quê, eu entrava no editor do blog e ficava olhando aquele número, 100 posts publicados nesse blog que pouca gente lê, mas que eu não consigo largar porque adoro escrever e, como já disse antes, não me importo de escrever pra mim mesma, pelo menos enquanto não encontro tempo de me dedicar a sério (se é que vou um dia).

O que finalmente me encorajou a escrever o centésimo primeiro post foi o livro que li nesse final de semana, Mulher de um homem só, do Alex Castro. Breve histórico: acompanho o blog LLL há algum tempo, só como leitora mesmo, nunca participei das polêmicas que ele enseja a cada post publicado. Eu só me divirto com as coisas que o Alex escreve. Às vezes concordo, às vezes discordo (é impossível ficar indiferente), mas acima de tudo eu adoro as coisas e, principalmente, o jeito que ele escreve.

Então ler um livro dele seria algo natural, não? Nem tanto, eu custei a decidir comprar o livro. Levei alguns meses. Bem sinceramente, a promoção de final de ano a 25 reais foi fundamental. Não que não valha mais, mas eu adoro uma promoção, compro quase tudo que tenho na liquidação, do sapato à máquina de lavar roupa, e com livro não é diferente. Foi um puta incentivo. Mas deixemos esses assuntos mundanos pra lá.

O livro atrasou dois dias e, quando chegou, eu brinquei que aquilo era uma carta dizendo que eu tinha que retirá-lo no correio ou algo assim. Porque ele é minúsculo. Fiquei meio decepcionada, mas não quis julgar pela embalagem. Naquele dia mesmo, fui andando pra casa e no caminho li as primeiras páginas. Cheguei em casa sorrindo, bom sinal.

Well, muito já se disse sobre Mulher de um homem só. Não sei mais em que eu poderia contribuir. Só lamento ter lido tantas coisas a respeito do livro antes de lê-lo: eu quase já tinha sacado a história (quase, na verdade só lendo mesmo pra saber), depois de tantas resenhas, elogios e críticas. Não foi uma leitura muito isenta. Mesmo assim, me atraiu do início ao fim, e já estou querendo ler de novo pra ver se capto outras nuances que, acho, me passaram meio despercebidas.

Terminei de ler durante o jogo de Grêmio X Flamengo, para o qual nem dei bola (e nem precisava, anyway). Ao acabar, fiquei burilando várias coisas: o quanto tenho (e não tenho) em comum com Carla; o quanto Murilo é chato, um mala mesmo, nunca me casaria com um cara assim (embora ele seja praticamente um coadjuvante, não dá pra conhecê-lo de verdade); que eu fiquei com uma tremenda vontade de conhecer a Júlia melhor, acho que ela é uma injustiçada, uma incompreendida que precisa de análise urgente, terapia nela djá!; e que a Carla é paradoxal, porque o livro começa mostrando uma guria toda moderninha, tipo "à frente de seu tempo", e no decorrer da história ela se mostra bem conservadora e antiquada. E tão ou mais louca quanto Júlia.

Sonhei essa noite inteirinha com Mulher de um homem só. Não foi um sono tranquilo, não. Foi quase uma noite de insônia. Mexeu com a minha cabecinha de mulher de um homem só. Meu lado Carla e meu lado Julia ficaram ali se afrontando. Fazia muito, mas muito tempo que um livro não me tirava o sono assim.