27 de dez. de 2010

uma biografia em tempo real


Nesse feriado de Natal, calorão em Porto Alegre, o sábado à tarde convidava para um cineminha. O filme foi escolhido mais pelo horário do que pelo título, mas não me arrependi: A Rede Social.

O legal desse filme é que ele retrata o hoje. Não porque tem efeitos especiais e usa os mais modernos recursos da computação gráfica - aliás, não usa absolutamente nenhum. A história é um retrato dessa geração frenética e online da qual fazemos parte, da cada vez maior virtualização das relações. Mostra como nasce uma grande ideia e que ela pode não ser tão original quanto parece - é uma transformação de outras ideias, de coisas que já existiam ou que precisavam de um toque de genialidade para dar certo. O inventor do Facebook é uma mente privilegiada, não há dúvida. Mas teve condutas pra lá de questionáveis. E tudo porque queria ser popular na faculdade, o que me leva a pensar que o que move guris e gurias a realizarem empreendimentos louváveis ou cometerem besteiras incalculáveis é o mesmo em qualquer lugar do mundo e em qualquer época: reconhecimento. Ou, para simplificar: chamar a atenção da(o) gostosa(o) da escola. Mais simples ainda: se dar bem.

O interessante é que Mark Zuckerberg não pega ninguém o filme inteiro. A história começa com ele levando um fora da namorada - num diálogo que tonteia qualquer um - e termina com ele mandando um convite para ela via Facebook. O lance deles ficou mal-resolvido - será que Erica Albright deu uma chance ao garoto? E será que o zilionário Mark consegue se dar bem com as garotas e ser um ser humano mais sociável? Essas perguntas o filme não chega a responder, porque são coisas que estão acontecendo nesse exato momento.

Em tempos de biografias lançadas por celebridades que não atingiram duas décadas de vida, A Rede Social tem o mérito de contar uma história relevante para bem mais do que os 500 milhões de usuários do Facebook - e que ainda está bem longe de terminar.

17 de dez. de 2010

homem que xinga mulher

Hoje me peguei tuitando uma frase que me tomou de assalto: 

Homem xinga mulher de vagabunda e mal-comida. O que está por trás disso: ele come mal a mulher dele e ela está dando pra outro. Certo.

Duas coisas me levaram a escrever isso. A primeira é que fui vítima, há alguns dias, de tais xingamentos. A outra é que li um post do Alex Castro que não permite a ninguém ficar em cima do muro a respeito de temas polêmicos como machismo e feminismo.

Vou tentar resumir a história: eu estava prestes a atravessar uma rua, de mão única e pista dupla, no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre. Havia uma faixa de pedestres naquele ponto, mas sem semáforo. Eu estava ainda na calçada e um motorista, querendo ser gentil ou simplesmente respeitar a faixa, parou para eu passar. Mas lá atrás vinha um carro numa velocidade um pouco alta e eu, cautelosa, esperei para ter certeza de que poderia cruzar a rua com segurança. O motorista que vinha correndo se deu conta do outro carro parado e decidiu parar também, abruptamente. O problema é que o que vinha logo atrás dele não conseguiu frear a tempo e bateu.

Tudo aconteceu em segundos. Eu me mantive na calçada, aguardando o desfecho - que deveria ter sido apenas poder atravessar a rua, mas não foi. O carro que parou primeiro não foi afetado e o motorista resolveu escapar dali rapidinho. Eu, depois do susto, saí andando, meio nervosa. Não gostaria que nada daquilo tivesse acontecido.

Mas o motorista do carro que sofreu a batida achou que alguém deveria levar a culpa pelos estragos. E desatou a proferir os mais inacreditáveis impropérios. Começou perguntando "vai pagar o conserto, vagabunda?" e terminou com "eu devia ter te atropelado, vadia mal-comida, o que te falta é um pau bem grosso, sua vagabunda". 

Pois é.

Eu não tenho sangue de barata e rodo a baiana sempre que acho necessário, mas dessa vez decidi cair fora sem olhar pra trás. Se esse cara era capaz de me xingar assim, bem possível que tivesse uma arma no porta-luvas ou que me desse um soco na cara sem o menor constrangimento. Eu é que não ia me arriscar. O máximo que consegui foi olhar pra ele e dizer "ah tá, era só o que me faltava". Mas vendo os olhos cheios de ódio do tal sujeito, tomei meu caminho.

Poderia esse post ser sobre a segurança no trânsito, faixa de pedestres e tal. Mas o mais incrível nessa história, pra mim, não foi o incidente em si, mas o repertório do cara. Não foi a primeira vez que ouvi um homem ofender uma mulher desconhecida dessa maneira. Eu mesma já fui vítima em outras ocasiões. Lembro-me especialmente de uma - e que também foi no trânsito, por que será? - em que eu não deixei entrar na minha frente (dessa vez eu estava dirigindo) um motorista que estava na contramão dando uma de malandrinho para escapar de um congestionamento. Claro que eu não teria feito isso se o cara estivesse prestes a ser esmagado por um Scania, mas não era o caso. Esse senhor colocou o carro dele bem ao lado do meu, abriu o vidro e me chamou de "bocetuda". Dependendo do contexto isso até poderia ser um elogio de gosto duvidoso, mas não, era um xingamento.

Então eu fiquei a pensar por que certos homens gostam de ofender as mulheres acusando-as de vagabundas e afirmando que suas vidas sexuais não são boas. Será que eles acham que isso é o que de mais terrível pode acontecer a uma mulher? Ou será que eles estão apenas projetando nesse insulto algo que os incomoda, talvez inconscientemente: eles não são capazes de dar prazer às suas próprias mulheres, fazem sexo como se fossem máquinas de ejacular, e lá no fundo sabem que elas são insatisfeitas e que, quem sabe (tomara!), estão considerando seriamente a hipótese de colocar-lhes um belo e merecido par de chifres?

Não quero generalizar, até porque não são todos os homens que xingam mulheres dessa forma, mas um cara que diz uma coisa dessas no calor de uma discussão ou de uma situação de estresse deve ter algum problema. Com tantas outras coisas para dizer – sem contar a opção de não dizer nada, porque ele não estava com a razão –, ele escolhe justamente isso.

Por outro lado, dia desses, em conversa com duas amigas, uma delas contou que xingou um motorista (ó o trânsito de novo...) que buzinou quando o sinal tinha recém aberto, o apressadinho. E ela o chamou de "piça curta"! Poderíamos deduzir, usando a mesma lógica, que minha amiga disse tal coisa porque está descontente com o tamanho do pênis de seu namorado, marido, comedor ou o que for? Difícil. É claro que ela não sabia o tamanho do membro do cara, mas certos comportamentos tipicamente masculinos, como dirigir em alta velocidade, fazer manobras perigosas, querer estar sempre na frente e ser esquentado e brigão, são comumente associados a uma necessidade de compensação. O cara pode até nem ter o pau pequeno, mas a pergunta que fica é: por que ele precisa tanto se autoafirmar com atitudes violentas, arriscadas, grosseiras? Alguma frustração ele deve ter.

Daí vem o Alex Castro falar sobre machismo e feminismo e eu concluo que o cara que tenta atingir a dignidade de uma mulher dizendo que ela é puta e mal-comida ainda não conseguiu digerir o fato de que hoje uma mulher pode dar para quem quiser e quando bem entender. Há! Esse é o ponto. Ele é um machista, com toda a certeza. Pois ele está vendo que as mulheres finalmente conquistaram os tais direitos iguais reivindicados pelo feminismo e entre eles está ser dona do próprio corpo e fazer com ele o que bem entender. Mas ele não aceita isso. Ele acha que essa mulher emancipada é, por definição, vagabunda. Então é óbvio que ele não vai assumir a culpa – na frente de outros homens! – pela barbeiragem na qual se envolveu se ele pode culpar a mulher que está na calçada esperando para atravessar a rua. Ele parte do princípio de que essa mulher – ou de que toda mulher – é uma vagabunda mal-comida, seja ela quem for. Ele quer atingir o gênero inteiro. Queria saber o que ele teria dito se um homem estivesse na calçada. Bom, mas aí talvez o primeiro motorista não tivesse parado, porque ele quis ser educado com uma mulher... vejam só, quanta contradição. Gentileza e estupidez no mesmo episódio.

Esse é sem dúvida um assunto para psicanalistas, antropólogos, sociólogos. Mas também são situações cotidianas com as quais nos deparamos às vezes e que nos fazem pensar e questionar “o que leva uma pessoa a se portar assim”. Eu ainda acho que um cara desses tem algum problema sério em casa que não está conseguindo resolver. Ele, com o machismo dele, não é capaz de enxergar um palmo na frente do nariz e muito menos o que está prestes a crescer entre seus cabelos – se é que já não cresceu.

11 de dez. de 2010

eu tenho medo do mesmo

Descobri que é preciso mudar sempre. O mesmo é uma chatice - sim, eu tenho medo do mesmo. É preciso ter planos de curto e longo prazo. É preciso vislumbrar no horizonte algo diferente, alguma coisa que mexa com os alicerces da vida, sejam eles firmes ou molengas. O igual não tem graça. A mudança tem. É ela que dá o frio na barriga, o arrepio na espinha. E bom é viver assim, com aquele receio do que virá, com aquela sensação de "será que vai dar certo", com o não saber, o não conhecer, com o pisar em território desconhecido. Não é a mesma coisa que ser inconsequente e viver como se não houvesse amanhã. Ao contrário: me refiro a saber o que se quer, ou pelo menos desconfiar, e ir em busca, correr atrás, e fazer a transformação. Talvez seja um engano, mas como saber sem tentar? Sim, sim, um clichê e tanto. Imenso. Só vamos saber se fizermos, se tentarmos - ouvimos isso desde sempre. De tão batido, perdeu o sentido. E acabamos não fazendo nada, mesmo. Ou fazendo o mínimo. Desistimos por achar que não somos capazes, ou que é uma grande bobagem, um sonho que passou, que não temos mais idade pra isso, ou travamos diante do que os outros podem pensar... Assim o suposto clichê fica restrito às telas do cinema, às páginas dos livros, que parecem nos dizer algo, nos puxar ou empurrar, nos alertar... Muitas vezes, não passa disso e vira frustração.

Fazer o que se tem vontade, dentro ou além de nossas possibilidades, impor aos outros os nossos desejos e não deixar que nos impeçam ou nos dissuadam, e não permitir que a falta de mudança nos torne inertes e acomodados. Eu tenho medo do mesmo, e quero que ele vá para bem longe daqui. Para que meu amanhã não seja igual a hoje nem a ontem. Depende de mim. Eis minha mensagem de fim de ano. Que venha 2011.