19 de abr. de 2010

os pseudorreligiosos

Pergunte aos seus amigos, colegas e conhecidos qual é a religião deles. Salvo um ou outro, a maioria dirá: sou católico, mas não-praticante. Ou então eles darão aquela resposta pronta de revista de celebridades: "Não sou religioso, mas tenho espiritualidade. Acredito em uma força superior que olha por nós..."

Será que é assim tão difícil dizer simplesmente que não se está nem aí para religião? Em nosso país, parece vergonhoso ou imoral não ter uma religião, principalmente não ser católico. Você não pode ser ateu ou agnóstico, mas tudo bem se não frequentar a igreja. Você comunga a cada dez anos e fecha os olhos para rezar o Pai-Nosso quando almoça na casa daquele tio meio crente, e tudo bem se vive a dizer heresias e a proferir o nome de Deus em vão. Você faz questão absoluta de se casar na igreja e de batizar seu filho, e esses eventos estarão entre a meia dúzia de vezes em que você ficará frente a frente com um padre na sua vida. E depois ainda irá praguejar contra esses mercenários que ficam cobrando o dízimo e obrigando você a ir à missa de preparação para a primeira comunhão do seu filho.

Mas você faz tudo isso mesmo assim. Porque é como manda o figurino. Você não quer ir para o inferno, afinal de contas. Deus perdoa bem mais fácil os pecadores devidamente sacramentados. Ele certamente perdoará você, que é um honesto pai de família, só quer o bem do próximo (com exceção daquele seu vizinho chato) e é batizado, crismado e casado com a benção do sacerdote da paróquia mais próxima.

O Brasil é um país católico, dizem. Se houvesse estatísticas reais (talvez existam, não sei), elas provavelmente mostrariam que essa maioria católica está fortemente baseada nesses pseudorreligiosos. É engraçado, até. Mesmo diante de uma igreja tão desacreditada, cuja história, muitas vezes hedionda, aponta a culpa ou responsabilidade por tantas guerras e povos dizimados, mesmo com as incontestáveis evidências de que o Vaticano usou, ao longo dos séculos, todo o seu poder em benefício de seus próprios interesses escusos, mesmo com a incrível multiplicação de padres pedófilos pelo mundo, mesmo assim, ao menos no Brasil, as pessoas ainda fazem questão de ser - ou de parecer - católicas. Como se desse título dependesse o seu lugar no reino dos céus.

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Esta crônica foi escrita em sala de aula, no dia 12/04/2010, para a disciplina Escrita Criativa da Faculdade de Letras da PUCRS, ministrada pelo professor Charles Kiefer. O tema proposto era religiosidade.

Valia 2,0. Tirei 1,9. Humpf.

A propósito, de certa forma o texto é uma crítica a mim mesma, católica não-praticante que só reza quando o avião decola, nascida em uma família extremamente católica e com direito a mãe ex-freira, pasme. Ainda assim, na adolescência me desliguei desses assuntos, não me crismei e nem me casei na igreja. Mas, com certeza absoluta, batizarei o filho que um dia terei, e provavelmente o matricularei na catequese. Depois, acho que deixarei que ele cresça e se entenda por gente, para que então, quem sabe, escolha uma religião para si. É, acho que é por aí.

8 de abr. de 2010

deixa assim

Capital da violência ou paraíso tropical? Clichês à parte, o Rio de Janeiro me encanta tanto que chega a doer. Sonho com o dia em que poderei financiar no mínimo uma longa estada por ano na cidade. Enquanto isso, vou vivendo das memórias de cada segundo que lá passei. E fico esperando ansiosamente pela próxima promoção de companhia aérea.

O Rio, por si só, já é um clichê. Não é a imagem automática que todo estrangeiro tem do Brasil? A cidade maravilhosa entoada em mil versos? O cartão postal capaz de representar um país inteiro? Pensando assim, dá até pra dizer que todo brasileiro é um pouco carioca!

Se o Rio é o próprio clichê, é também a mais pura contradição. É onde muitos querem estar, e de onde tantos querem fugir. É onde o pobre tem vista para o mar e o rico vive atrás das grades. Abriga a intelectualidade da Zona Sul e a futilidade da Barra da Tijuca.

Visão deturpada? Estereotipada? É provável que sim. Cariocas, não se zanguem! Não passo de uma turista. Até tento parecer nativa, mas o desbotado da pele e o sotaque sem chiados me denunciam em segundos. Não tenho a pretensão de descrever o Rio dos cariocas, mas sim o de uma visitante esporádica. E cegamente apaixonada.

Mas e se eu me mudasse pro Rio? Bom exercício. Adoro me imaginar vivendo nos lugares que visito. E todas as vezes em que estive no Rio, essa imagem quase se materializou diante de meus olhos.

Eu moraria em Ipanema. Também poderia ser no Leblon. Numa daquelas ruas transversais às avenidas. O prédio teria grades e segurança. Mas, uma vez do lado de fora, eu estaria livre, a poucos passos da orla. Eu seria bronzeada e sarada, afinal, me exercitaria todas as manhãs no calçadão e na praia. Nos finais de tarde, iria com as amigas a um boteco pé-limpo e tomaria chope da Brahma. Nos finais de semana, me remelexeria nas casas de samba da Lapa.

Você dirá: não é bem assim. E eu direi: ESSE é o Rio que me dói. Assim é o Rio das minhas lembranças. Não estrague meus sonhos. É desse Rio que eu quero sentir saudades. Então, fazendo o favor, deixa assim.
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Este texto foi originalmente escrito a mão, no dia 31 de março de 2010, na aula de Leitura e Produção Textual da Faculdade de Letras da PUCRS. Depois da correção e das pertinentes considerações da professora Jocelyne Bocchese, ele foi revisado e adaptado para melhor se enquadrar aqui no blog.
Poucos dias depois, chuvas implacáveis caíram sobre o Rio de Janeiro, fazendo centenas de vítimas. No noticiário, o Rio e as cidades do entorno são cenários desoladores. Por isso, achei que seria um bom momento para publicar o texto. O Rio de hoje - 8 de abril de 2010 - não é o que eu quero guardar na memória, mas é o que está precisando de ajuda. Força a todos os cariocas e fluminenses.

5 de abr. de 2010

não me conta


Acho incrível a facilidade que algumas pessoas têm de contar para quase estranhos suas coisas mais íntimas. Sabe aquela clássica frase "não me conta"? Quando acontece comigo, é isso o que eu realmente gostaria que a pessoa fizesse. Da minha boca sai "não me conta", mas à minha cabeça só vem "não me conta, eu não quero saber, eu não te conheço, não me conta!"

O que faz uma criatura falar a uma pessoa que conheceu anteontem e com quem não conversa mais do que trivialidades que está sendo traída pelo marido? Ou que está atolada em dívidas? Que está com infecção urinária? Que o filho tem problemas com drogas? É carência? Falta de assunto? Uma maneira de chamar a atenção? Por que um quase desconhecido se sente tão à vontade na minha presença a ponto de me transformar em ouvinte e conselheira?

Ninguém é obrigado a se interessar pelos assuntos alheios. Quem nunca se viu no desconforto de ter que fingir interesse, devolvendo interjeições, caras e bocas, mas se sentindo incapaz de dizer qualquer coisa que não soe fora de lugar? Ou então fazendo de conta que escuta enquanto, na verdade, a cabeça está focada em seus próprios problemas (ou em como não queria estar ouvindo aquela história)?

Eu falo das minhas coisas mais pessoais a bem pouca gente. Não defendo o não falar, o guardar para si, apenas não consigo me abrir a quem não me conhece pelo menos um pouco. Sempre que tentei fazer diferente, me senti meio idiota, como se estivesse jogando fora palavras sem significado. Prefiro ter certeza de que meu interlocutor tem interesse no que eu digo. Que me entende, que nutre simpatia e empatia por mim. É raro encontrar isso em um estranho.

Para ser sincera, meu sentimento em relação a essas pessoas tão abertas é ambíguo: sinto inveja e até certa admiração, porque não tenho essa habilidade. Mas sinto também um pouco de pena, porque acho que essa ausência de critério sobre “o que falar para quem” pode ser um sinal de desespero, um pedido de socorro. Mas também pode ser a mais pura e simples falta de noção.

Pode parecer incoerente eu escrever em um blog público sobre esse assunto, justamente quando me confesso tão reservada em relação a assuntos mais íntimos. É que escrever é um bom e necessário exercício para quem é assim como eu. Não pretendo relevar segredos recônditos através dos meus textos – vou continuar reservando-os aos amigos mais próximos –, mas aos poucos vou perdendo o receio de expor opiniões e sentimentos. Já é uma evolução. Para uns, podem ser apenas palavras à toa. Para outros, podem significar alguma coisa, mesmo tendo sido escritas por uma estranha.