19 de jul. de 2010

suavizando a existência (ou sobre aceitar a própria mutabilidade)

Começou com o sutiã. Tempos atrás eu só usava sutiã de bojo com ferrinho e enchimento, pra levantar minha autoestima e me iludir um pouquinho. Hoje esse tipo de sutiã só sai da gaveta em momentos que me exijam uma produção mais elaborada. É que, de repente, eles me fizeram sentir presa, sufocada, como deviam se sentir as mulheres de antigamente com seus espartilhos apertadíssimos. Meus sutiãs atuais não ficam me avisando o tempo todo que estão ali. Troquei o efeito peitão pelo conforto. Pela leveza.

Tempos atrás eu jamais sairia na rua em horário comercial usando All Star. Eu nem tinha All Star. Só saía de casa me equilibrando em saltos altíssimos e bicos finíssimos. Tênis, só no domingo – e olhe lá – e na hora da ginástica. Sapato baixo? Rasteira? Eu nem sabia o que era isso. Hoje, eles já são quase maioria no meu armário e reinam absolutos em meus pés.

Tempos atrás eu usava uns batons escuros, vermelhos, marrons. Hoje, só cor de boca ou rosinha, no máximo um dourado. Tempos atrás eu usava terninho. Hoje, jeans e camiseta. Tempos atrás eu tinha certeza do que queria fazer na vida. Hoje, abriu-se um leque de possibilidades na minha frente – porque eu quis abri-lo, leques não se abrem sozinhos – e eu estou tateando, provando um pouquinho, sonhando outro tanto, descobrindo o que quero, morrendo de medo, mas indo, vagarzinho. Porque o que eu queria tempos atrás parece que já não me serve mais.

Tempos atrás eu circulava muito segura de mim em eventos de networking, trocava cartões às centenas, achava assunto para falar com pessoas que não tinham nada em comum comigo. Esbarrei em muita gente boa, gente que somou, multiplicou. Mas também em gente pedante, mesquinha, vazia. Conheci perdedores, desesperados, oportunistas. Conheci gente bem-sucedida por mérito próprio, conheci filhinhos de papai brincando de ter empresa, conheci pessoas mal e bem intencionadas. Ingênuos? Nenhum. Sonhadores? Uns tantos. Talentosos, promissores? Alguns. Inteligentes? Muitos. Limitados? Arram.

Eu era um pouco disso tudo aí, eu era um deles. Ou melhor, queria ser, queria parecer. Não podia mesmo durar mais do que durou, ninguém consegue ser o que não é por muito tempo (é mais fácil saber o que não somos do que o que somos!). Até que não fui mal, não. Fiz tudo direitinho. Um pouco por vaidade, mas, sobretudo, para provar a mim mesma que podia. Que conseguia, que tinha competência, que tinha colhões. E tive, afinal. Encarei. Fiz quase tudo o que me propus a fazer, cometi erros e acertos. Essas coisas que só acontecem com quem faz. Valeu, mas passou. É passado, a hora agora é outra.

Isso é coisa de ser humano. Essa incoerência, essa mutabilidade. Somos incrivelmente incoerentes e irremediavelmente imperfeitos, por mais que tentemos mostrar o contrário, ser o contrário. Eu, dessa luta, já desisti. Porque ela é infantil e inglória. Não paga a pena. Minha luta é justamente aceitar – e como é difícil! – minha falibilidade, meus enganos, meus lapsos, minhas incertezas, minhas limitações, minhas volubilidades. Minha luta é encarar os desejos de mudança e não fazer de conta que eles não existem. É ser o que quero ser, que não é o que eu queria ser antes, mas agora é, e amanhã pode ser outra coisa. Por mais inconcebível e contraditório que pareça.

Começou com o sutiã. Culminará em algo que ainda não sei o que é, mas que deixo ser.

Um comentário:

Elucubre vc também!